quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O SER HUMANO


Kurt Tucholsky


O ser humano tem duas pernas e duas convicções: uma para quando está bem e outra para quando está mal. Esta última chama-se religião.

O ser humano é um vertebrado e tem uma alma imortal, tanto quanto uma pátria, para não ficar muito atrevido. O ser humano é produzido por via natural, porém que ele acha
que não é natural e evita falar sobre isso. Ele é feito, mas não consultado se queria ser feito.

O ser humano é um ser vivo útil, pois a morte no campo de batalha serve para elevar às alturas as ações de petrolíferas, a morte nas minas serve para aumentar o lucro do dono da mina, e além disso ele ainda faz cultura, arte e ciência.

O ser humano tem, além do instinto de reprodução e os de comer e beber, duas paixões: fazer barulho e não escutar. Quase daria para definir o ser humano como um ser que nunca escuta. Se é sábio, faz ele muito bem: sensatez é muito raro de se ouvir. Os seres humanos gostam de ouvir promessas, bajulações, elogios e cumprimentos. No caso de bajulações, recomenda-se proceder sempre três vezes mais descaradamente do que se julga ser o limite do possível.

O ser humano inveja a sua espécie, por isso inventou as leis. Se ele não pode, então ninguém pode.

Para confiar num ser humano, é melhor sentar em cima dele; pelo menos assim a gente pode ter certeza de que não escapa. Alguns também confiam no caráter.

(...)

O ser humano é um ente devorador de plantas e animais; em expedições polares devora de vez em quando exemplares de sua própria espécie; porém isto é contrabalançado pelo fascismo.

O ser humano é uma criatura política, que prefere passar a vida em amontoados. Cada amontoado odeia os outros amontoados, porque são os outros. E odeia o próprio, porque é o próprio.

(...)

Todo ser humano tem um fígado, um baço, pulmões e uma bandeira; esses órgãos são vitais. Pode ser que haja seres humanos sem fígado, sem baço ou com apenas um pulmão; não há seres humanos sem bandeira.

(...)

Quando o ser humano sente que já não pode mais pegar o bonde andando, torna-se piedoso e sábio; renuncia então às uvas amargas do mundo. A isto chama-se exame de consciência. As diferentes faixas etárias do ser humano consideram umas às outras como raças diferentes:
os velhos normalmente se esquecem de que foram jovens, ou se esquecem de que são velhos, e os jovens nunca compreendem que podem envelhecer.

O ser humano não gosta de morrer, pois não sabe o que vem depois. Se acha que sabe, também não gosta; ainda quer participar mais um pouco do que já passou. “Um pouco” aqui quer dizer: eternamente.

No mais, o ser humano é um ser vivo que martela, toca música ruim e deixa o cão latir. Às vezes faz silêncio, mas é quando está morto.

Além do ser humano há ainda os saxões e os americanos, mas sobre esses ainda não aprendemos, Zoologia só teremos no ano que vem.

Trad.: Rui Rothe-Neves & Georg Wink

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